A Copa passou pela porta de Patrick e deixou lembranças

Poucos dias antes do início da Copa no Brasil fomos fazer uma série de entrevistas nas comunidades próximas à Arena Pernambuco. O material está editado no vídeo Copa sem Casa, mas muito do sentimento daquelas pessoas com quem estivemos não coube nos 10 minutos de edição. Uma das entrevistas que mais me chamou atenção, foi a conversa com o garoto Patrick dos Santos, de apenas 11 anos.

Morador do Viana, Patrick teve a sorte de não ser um dos desapropriados para as obras da Copa, mas relatou com suas simples palavras todo o drama que viu seus vizinhos passarem. A perda das casas, o drama para tentar receber o dinheiro, os problemas de saúde relacionados a esse estresse, as mortes dos idosos. E contou também que como os removidos acabou sendo uma vítima do Ramal da Copa, porque a estrada destruiu os três campos de futebol da sua comunidade.

A arquiteta Raquel Rolnik explica o fenômeno em artigo publicado nesta semana. “O fato é que os campos de várzea, que no passado revelaram muitos de nossos grandes jogadores, foram minguando rapidamente nas regiões mais centrais, com o processo de urbanização que ocupou estas áreas próximas aos rios. Hoje o futebol amador sobrevive quase que exclusivamente nos campos improvisados nas periferias e favelas, também em franco processo de desaparecimento, sob o impacto da consolidação da urbanização também nestas áreas”. Lá em Camaragibe, Patrick foi vítima da segunda fase desse processo.

Como a maioria dos meninos de 11 do Viana, ele também sonha em ser jogador de futebol. Fomos mostrar o vídeo Copa sem Casa e ele estava em casa. Nas paredes, a bandeira do Brasil e as marcas de um São João verde e amarelo. Mas porque ele não estava jogando bola com os outros meninos num dos campos improvisados no acostamento da estrada? “Ali é muito perigoso. Um colega meu quase morre porque caiu num burado da obra e não sabia nadar”, conta o menino, explicando que o maior perigo são os caminhões em alta velocidade.

A perda dos três campinhos não é um desastre por si só. Ela é apenas mais um reflexo de como vem sendo feito o processo de exploração imobiliária em Pernambuco. Perto da casa onde eu cresci, no bairro de Casa Forte (Recife), também existiam três locais para jogar futebol. Todos foram destruídos para dar espaço aos conjuntos residenciais com suas mini-quadras de uso privativo. E essa situação se repete por todo o Brasil e também com espaços importantes para outros esportes.

Por mais que o Rio de Janeiro tenha sido o local de maiores protestos durante a Copa das Confederações, é chocante a informação de que até agora não foi reconstruída a área dos complexos de atletismo e natação do Maracanã. A Copa passou e deixou Patrick sem seus campinhos. E as crianças que crescerem fora dos condomínios de luxo encontram cada vez mais dificuldade para jogar futebol nos seus bairros pelo Brasil. E mesmo o maior complexo esportivo da Zona Norte do Rio, um dos maiores pontos turísticos do Brasil, também sofre essa violência contra quem acha que o esporte é sim parte fundamental na educação e lazer de uma nação.

Mas ainda temos dois anos para dar exemplos antes das Olimpíadas. Reconstruir com muito mais qualidade os campos das comunidades atingidas pelas obras da Copa. Refazer as casas (como lá no Viana) que foram afetadas pelas obras e estão rachadas. Pagar as indenizações de quem não recebeu e dar casas para os removidos que não tiveram condições de comprar imóveis por conta dos valores baixos recebidos. Serão com certeza bandeiras da sociedade civil nessa nova etapa, seja o Brasil campeão ou não do Mundial da Fifa.

Para muita gente pode ser até uma questão menos importante. Mas, para mim, apaixonado por futebol e por esporte de uma forma geral, também faz parte do meu sonho que nas Olimpíadas possamos dizer que deixamos um legado esportivo para nossas crianças. Infelizmente, minha esperança é mínima. E a Copa do Mundo mostra claramente que estamos muito piores do que antes do Mundial quando falamos em acesso ao futebol. Mas não podemos ficar simplesmente esperando dos governantes e das empreiteiras que mudem sua forma de destruir.

Vocês já ouviram falar do Mundial de Futebol de Rua e da Copa Rebelde? Recife está pronto para discutir o legado esportivo do Mundial 2014!

https://coparebelde.wordpress.com/

http://www.mundialfutebolderua.org/

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A arena, o metrô e as paçocas

* Artigo do jornalista André Justino, escrito no dia da partida Alemanha x Estados Unidos, pela Copa do Mundo.

A manhã do quarto jogo na Arena Pernambuco, entre as seleções da Alemanha e dos Estados Unidos foi marcada pela chuva e pela circulação no metrô de um número considerável de torcedores. As faces comuns do dia a dia, de pessoas que seguiam para o trabalho, guardavam nítido contraste com os alemães e norte americanos de porte físico alto e a pele clara. Mas, foi no trem da linha Jaboatão, que se deu o maior dos contrastes, lá, fora do alcance da fiscalização da Dircon, o menino Wesley, de 12 anos, vendia paçocas de amendoim dentro do metrô, sem nem se preocupar com a fantasia passageira da realização da Copa do Mundo.

O garoto, de passos e fala rápida, que circulava entre um vagão e outro carregando uma caixa cheia de paçocas e que provavelmente tinha o mesmo peso dele, disse que morava no bairro do Barro Vermelho, em São Lourenço da Mata, cidade onde se dá os jogos do Mundial. Os trajes dele não omitiam sua origem, se na frente do corpo carregava a caixa, nas costas trazia uma mochila da rede pública de ensino são lourencense, que dizia em letras garrafais “CIDADE DA COPA”.

Na viagem ele disse que vendia no metrô, pois tinha de se virar para conseguir dinheiro, mas que quando dava ele ia para a escola. “Minha mãe está em casa chegou essa semana da prisão e meu pai está morto”, sentencia o menino, quase que admitindo não ter outra opção de vida. “Venho para Jaboatão, pois tem muito guarda de Coqueiral para lá”, reforçando a informação de que há um aumento na segurança das estações localizadas em Recife, com equipes da prefeitura que inclusive tomam as mercadorias dos ambulantes e os colocam para fora do metrô.

Ao chegar à estação Jaboatão, em meio à multidão que se aglomerava nas portas do trem para descer, o pequenino Wesley sumiu. Só foi visto novamente fora dos vagões, já acompanhado por uma agente terceirizada da segurança da CBTU. Ela, que disse já ter sido previamente avisada da presença de um vendedor ambulante no trem, o direcionou até a integração do sistema SEI de Jaboatão, lhe apontando a parada do ônibus que voltava para estação Floreano, “Lá você consegue entrar novamente e não volte mais aqui não viu, pois vou ter de agir de outra forma”, adverte a segurança.

De lá o franzino menino seguiu. Não se sabe se voltará para casa em São Lourenço da Mata ou para uma nova empreitada, desviando-se dos seguranças no metrô. O que se sabe é que a caixa ainda estava cheia e menos mal que ele não a perdeu, pois era o sinal de que se por um lado com um Real dentro da arena não daria para comprar nada, do lado de fora, com a mesma moeda alguém poderia adquirir sete paçocas, ou seja, Wesley ainda tinha muito trabalho pela frente.

Garoto foi apenas mandado embora pela segurança do metrô
Garoto foi apenas mandado embora pela segurança do metrô
Venda de mercadorias é corriqueira, mas trabalho infantil deveria ter atenção especial
Venda de mercadorias é corriqueira, mas trabalho infantil deveria ter atenção especial
Criança foi proibida de vender paçocas no metrô
Criança foi proibida de vender paçocas no metrô

Copa sem Casa aborda situação de desapropriados de áreas próximas à Arena Pernambuco

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Copa sem Casa. Vídeo sobre a situação das famílias desapropriadas para obras de mobilidade da Copa nas proximidades da Arena Pernambuco. O Mundial é um sucesso, mas deixa seus impactos e não podemos esquecer essas pessoas que perderam quase tudo!

Realizado pelo Coletivo Nigéria e Agência Pública, com co-produção do blog Mídia Capoeira. Divulguem!

NOTA DA FIP-PE SOBRE A DESOCUPAÇÃO DO CAIS JOSÉ ESTELITA

Sobre “A reintegração de posse mais bonita da História”

A remoção da “Vila Estelita”, nome dado a ocupação do terreno do antigo cais José Estelita, no ultimo dia 17 é mais uma remoção da copa do mundo da FIFA, feita em nome das mesmas empreiteiras beneficiadas com a construção no Brasil dos estádios mais caros da História e das obras de “mobilidade” para ao evento.

A remoção da “Vila Estelita” foi planejada com bastante antecedência enquanto o poder público, em especial a prefeito do Recife no papel de bobo da corte, fingia fazer uma negociação com o movimento. A reintegração de posse se deu através de uma articulação entre o poder público, municipal e estadual, a polícia militar, a imprensa local e as empresas do consórcio Novo Recife (Queiroz Galvão e Moura Dubeux), que agiram em conjunto para viabilizar e justificar a violência da desocupação do terreno.

No fim de semana que antecedeu a desocupação a Moura Dubeux lançou uma ofensiva publicitária milionária defendendo o projeto Novo Recife, artigos contrários aos interesses do consórcio, como o do Reitor da UFPE Anisio Brasileiro e o do economista Clovis Cavalcanti foram vetados nos principais jornais da capital pernambucana, fato amplamente noticiado pelas redes sociais e imprensa nacional. Um dia antes da desocupação uma pesquisa “encomendada” pelo consórcio apontava que 80% da população aprovava o projeto. Durante toda essa semana surgiram denuncias de ativistas do #OcupeEstelita que estariam sendo seguidos nas ruas, pessoas se dizendo funcionários de suape estiveram na rua de ativistas ligados a FIP perguntando aos vizinhos sobre os horários em que tais pessoas estavam em casa. No dia anterior a prefeitura do Recife protagonizou uma encenação onde juntamente com algumas secretárias do Estado de Pernambuco garantiam, mais um a vez, a disposição de encontrar uma saída negociada a situação. Em reunião com a SDS o comando da polícia militar garantia que todos os protocolos seriam observados e que se fosse necessária efetivar a reintegração esta seria a “reintegração de posse mais bonita da história”. Todas essas ações visavam preparar a opinião pública para a violenta reintegração que policia militar efetuaria no dia seguinte.

Policia militar e seguranças do consórcio cercam a ocupação no cais José Estelita
Policia militar e seguranças do consórcio cercam a ocupação no cais José Estelita

Nas primeiras horas da manha do dia 17 de junho os ocupantes da “Vila Estelita” foram surpreendidos pela presença da Polícia Militar e seguranças da Moura Debeux cercando todo o acampamento, perto de 60 pessoas dormiam na ocupação. Pessoas que se identificaram como oficiais de justiça informaram que tínhamos 5 minutos pra sairmos do local. Os ocupantes questionaram sobre a ausência do Ministério Público, que segundo negociação deveria ter sido avisado e estar presente em caso de cumprimento da reintegração, e solicitaram a presença de advogados, todos esses pedidos foram negados. Um dos oficiais de justiça, claramente nervoso, se destacava pela intransigência de não aceitar nada diferente do que a retirada de todos sempre em 5 minutos.

Diante de qualquer possibilidade de resistir a operação de guerra desencadeada, onde cinco batalhões com centenas de policiais foram mobilizados: cavalaria, tropa de choque, cachorros, rocam etc, além dos seguranças das empreiteiras, informamos que iríamos sair pacificamente e pedimos um tempo para desarmar as barracas e arrumar nossos objetos pessoais. No entanto, antes mesmo de todos os presentes, terem sido informados do que estava acontecendo a tropa de choque atacou o acampamento.

Com todas as saídas bloqueadas e impossibilitados de sair, os ocupantes tentaram se refugiar na parte do terreno da união que também estava ocupado, e onde a reintegração de posse não alcançava. Ainda sim, no terreno da união os ocupantes foram cercados pela cavalaria e atacados pela tropa de choque. A resistência dos ocupantes foi moral e pacifica, jogavam água para diminuir os efeitos do gás, gritavam palavras de ordem e por fim, sem qualquer chance de se defenderem deram as mãos e se sentaram nos trilhos. Seis pessoas foram presas, ao menos duas pessoas foram levadas desacordadas ao hospital por conta do efeito do gás e todos covardemente agredidos, balas de borracha e chicotadas. Durante toda a manhã todas as vias de acesso ao cais José Estelita foram fechadas pela guarda municipal e policia militar de forma a dificultar a chegada de qualquer pessoa, nossos advogados foram agredidos e proibidos de entrarem, nenhum socorro, assistência ou possibilidade de sair foi dada aos que estavam dentro do terreno.

Se algumas dezenas de pessoas desarmadas não representavam ameaça aos mais de 300 policiais fortemente armados dentro do terreno; se os ocupantes não protagonizaram qualquer ato de violência contra a polícia; se nenhuma pedra foi arremessada contra a tropa; o que justificaria o uso da força em tamanha desproporção contra 60 pessoas desarmadas, dentre elas crianças e uma mulher grávida¿ A fala de um dos oficiais de justiça de que seria um problema se a imprensa chegasse antes de ter-nos retirado do terreno, talvez nos ajude a responder a questão.

Oficial de justiça que deu 5 min para desocupação do terreno, autorizou a força policial e estava preocupado com a chegada a imprensa.
Oficial de justiça que deu 5 min para desocupação do terreno, autorizou a força policial e estava preocupado com a chegada a imprensa.

Em uma ação orquestrada a saída dos ocupantes foi seguida pela construção imediata de um muro por operário do consórcio novo recife, muro que inclusive se sobrepôs aos trilhos da ferrovia no terreno da união. Tudo isso com a proteção da policia militar e sob a vista dos oficiais de justiça presentes. As vias de acesso ao terreno do cais estavam interditadas, mas imediatamente após nossa retirada caminhões e maquinas do consórcio tentavam entrar no terreno, em seguida, vários ônibus com mais de 100 operários chegaram ao local. Difícil acreditar na versão da Moura Debeux de que não sabiam da reintegração, nem de que não agiram articulados com o poder público, e com a Polícia militar servindo de milícia para as empresas do consórcio.

O dia da desocupação também foi pensado de forma a beneficiar o consórcio e evitar o desgaste do governo do Estado e da prefeitura: dia do jogo da seleção, momento em que todas as atenções estariam voltadas para o jogo e, um dia antes dos desembargadores julgarem a ilegalidade da decisão dada pelo desembargador substituto Márcio Aguiar sobre a reintegração de posse. Assim como na década de 70 a ditadura usou o desempenho da seleção brasileira para promover a ditadura e sufocar as denuncias de tortura, os desaparecimentos e prisões de opositores do regime, a desocupação foi pensada, articulada e executada para que os gritos de gol da terça-feira pudessem sufocar os gritos de indignação da cidade.

Após a saída do terreno nossos pertences foram jogados dentro de dois caminhões e descarregados em frente ao viaduto Capitão Temudo ao lado do terreno. Câmeras, computadores e materiais eletrônicos que continham informações e arquivos sobre a ocupação desapareceram. Cinicamente a policia militar apresentou enxadas, martelos e materias de trabalho, usados para construir as parcas estruturas do acampamento e capinar a área como “armas”. Faltou a polícia explicar porque essas “armas” não foram usadas contra eles durante a desocupação. Assim como não se deram o trabalho de explicar porque dos 8 detidos durante o dia apenas um rapaz, morador do Coque, foi encaminhado direto para o Cotel enquanto os demais foram liberados após assinarem TCO.

Essa enorme repressão a manifestantes e desarmados lembra muito as ações do governo Eduardo Campos que no ano passado implantou um verdadeiro estado de exceção em Pernambuco pra sufocar as manifestações populares no estado e que pareciam ter sido colocadas de lado após sua saída para concorrer a presidência da república. O que vemos em Pernambuco é a associação criminosa do poder público, com empreiteiras e a imprensa local numa verdadeira parceria público-privada contra a população da cidade.

Artefatos usados pela PM encontrados do lado de fora da ocupação, depois de cumprida a reintegração
Artefatos usados pela PM encontrados do lado de fora da ocupação, depois de cumprida a reintegração

Não satisfeitos com a violenta e ilegal remoção da “Vila Estelita”, o choque voltou a atacar os manifestantes que se reunião pacificamente em assembleia a tarde. O resultado foi um confronto que terminou com o viaduto Capitão Temudo interditado por mais de mil pessoas durante todo o jogo da seleção. As cenas de violência protagonizadas pela polícia militar de Pernambuco, agindo como milícia da Moura Dubeux e Queiroz Galvão, empresas que investiram milhões nas campanhas do atual prefeito Geraldo Julio e do governador e presidenciável Eduardo Campos, ambos do PSB, foi a principal noticia do dia, na mídia nacional e internacional. No dia em que a cidade do recife foi traída, apunhalada pelos que deveriam defendê-la, os gritos de indignação se sobrepuseram aos gritos de gol e no Recife, dia 17, não teve gol, nem teve copa.

Entendemos que nesse momento o prefeito do Recife Geraldo Júlio tem um papel de protagonismo sobre qual uso a cidade dará ao terreno do antigo cais José Estelita, a ele cabe a decisão de cancelar todos os atos administrativos sabidamente eivados de ilegalidade. Ao governo federal cabe a responsabilidade de cancelar o leilão ilegal do qual o consórcio Novo Recife, único a participar da disputa, adquiriu o terreno pelo lance mínimo.

Por fim, nesse momento em que a vila Estelita resiste e os manifestantes ocupam a parte de baixo do viaduto Capitão Temudo, frente a todas as atrocidades ocorridas que começou com a derrubada ilegal de parte dos armazéns, seguida a agressão física contra um militante do Direitos Urbanos por capangas do consórcio Novo Recife, ações que motivaram a ocupação do terreno. Frente as diversas ameaças, intimidações, agressões e ações ilegais dos quais os manifestante tem sido alvo, desde já responsabilizamos as empresas Moura Dubeux e Queiroz Galvão, o prefeito da cidade do Recife Geraldo Júlio, o governador João Lira Neto e o presidenciável Eduardo Campos por quaisquer atentado contra a integridade física dos manifestantes que se encontram ocupando o espaço ao lado do terreno em disputa.

* O blog reproduz neste post imagens e texto enviados por representantes da Frente Independente Popular, para abrir espaço à discussão que o grupo quer fazer sobre a remoção no #OcupeEstelita.

Roda de Fogo: exemplo de luta pela moradia no #OcupeEstelita

Assistam o filme Roda de Fogo: Cidade Encantada. As ações culturais do #OcupeEstelita recomeçaram com uma sessão emocionante desse curta e um debate interessantíssimo com representantes da comunidade e dos autores do vídeo sobre a luta por habitação na Região Metropolitana do Recife, hoje e no passado.

Morador da comunidade, Alexandre Costa emocionou às cerca de 50 pessoas que se reuniram no “cineteatro” do Viaduto do Cabanga ao lembrar a música que foi puxada por Guadalupe Freitas em um dos principais protestos para garantir a posse da terra para os moradores de Roda de Foto.

“Vocês pensam que nós fomos embora?

Nós enganemos vocês

Fizemos que fomos e voltemos

Ó, nós aqui outra vez!”

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Teu choro não será em vão, Estelita!

Ainda na terça-feira, teve início a reconstrução do acampamento na área embaixo do Viaduto do Cabanga
Ainda na terça-feira, teve início a reconstrução do acampamento na área embaixo do Viaduto do Cabanga

Estava filmando toda a violência policial da operação orquestrada para retirar os ocupantes e desmoralizar lideranças do grupo de manifestantes que combatem o projeto Novo Recife. No trabalho de repórter, deixei de perceber que a pessoa que passava presa seminua e algemada era a minha amiga Cristina Gouvêa. De repente, me encontrei com a namorada de um colega que estava fora do Recife e ela apenas alugou meu ombro e chorou.

Teu choro não será em vão, Estelita!

A violência contra os manifestantes na operação autorizada pelo Governo do Estado tem sido fartamente noticiada e representa o problema crucial da falta de respeito à função pública de instituições centenárias como a Polícia Militar. Mas precisamos começar a tentar entender tudo que representou aquela construção de quase um mês acampados no Cais José Estelita, a troca com as comunidades vizinhas, a tentativa de salvar moradores de rua de uma operação de higienização e as discussões sobre temas como as desapropriações da Copa e em comunidades humildes, como Esperança III, na Encruzilhada.

Dois debates e duas exposições sobre os impactos da Copa aconteceram durante o #OcupeEstelita
Dois debates e duas exposições sobre os impactos da Copa aconteceram durante o #OcupeEstelita

A reconstrução do acampamento no Viaduto do Cabanga é uma demonstração de que tudo aquilo que vinha sendo construído já criou um lastro que dificilmente será destruído, nem mesmo com prisões e violência arbitrária, como a que foi empreendida contra mais de 35 manifestantes durante a remoção do #OcupeEstelita. Em coletiva realizada na quarta-feira, na área abaixo do viaduto que serve como acampamento improvisado depois da remoção realizada no dia anterior, lideranças dos manifestantes pediram a liberdade de um jovem que foi o único a ser enviado para o presídio depois das seis prisões ocorridas na terça-feira.

A arquiteta Cristina Lino Gouvêa fez questão de solicitar a libertação do último preso, que foi liberado ainda na noite de quarta: “a gente teve seis pessoas detidas, eu fui uma delas, mas estou aqui para falar com vocês. Agora dessas cinco eram brancas, uma era negra e morava no Coque, essa foi a única pessoa que foi levada para o Cotel. Apesar dos nossos advogados populares terem sido mobilizados também para defender essa pessoa, o nome dele é Deivisson”.

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A libertação do jovem foi a primeira conquista após a violenta remoção. Mas é preciso entender que antes da remoção violenta, justamente no dia anterior, havia sido aprovado pela Assembleia Legislativa projeto de lei que autoriza o Governo do Estado a ceder 200 hectares de terras à Arena Pernambuco. Se o jogo da seleção brasileira foi utilizado naquele momento para diminuir a repercussão da violência, foi também a forma de silenciar os protestos em relação a área onde centenas de famílias foram desapropriadas em São Lourenço da Mata.

Antes da estreia brasileira, houve uma roda de diálogos no #ocupeestelita sobre a situação das comunidades que foram removidas para obras da Copa do Mundo em Pernambuco, das mulheres no contexto deste megaevento e questionando os gastos públicos no Mundial. Integrante da Frente Independente Popular, Igor Calado acha que o esporte não pode ser “desculpa para fazer uma série de arbitrariedades. E são empreiteiras ligadas aquelas que construíram a Arena Pernambuco que estão sendo beneficiadas aqui no projeto Novo Recife, então lutamos para construir um projeto de cidade diferente do que elas representam”.

Um dos representantes do Coque (R)Existe, Chico Lurdemir, lembrou que os ocupantes foram feridos por balas de borracha, estilhaços de bombas de efeito moral e até mesmo por chicotes da cavalaria assim como de cassetetes do Batalhão de Choque. “A gente acha que essa atitude violenta do Estado, através da sua polícia, à mando do Consórcio Novo Recife, demonstra uma violência que é a mesma que estão querendo fazer com a nossa cidade”, afirmou. E depois ouviu o estudante de Direito da UFPE, Artur Maia, complementar: “nos surpreendemos com essa violência que ocorreu aqui, mas é uma ação corriqueira em bairros vizinhos daqui como o Coque, Brasília Teimosa e o Pina”.

Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular, ele é um dos ocupantes que já tem uma experiência anterior no apoio a comunidades removidas como as de Esperança, na Encruzilhada, e do Loteamento São Francisco, em Camaragibe. Essa troca, de quem tinha experiências com gente que está começando na luta social. De quem é das comunidades próximas à linha férrea, com quem nem imaginava que ainda funcionasse trem no Recife. Das pessoas que moravam debaixo do Viaduto do Cabanga, com pessoas que em outra situação poderiam até ter medo dessa proximidade. Prova claramente que a luta do #ocupeestelita não é só contra o projeto Novo Recife.

Despejo #5 mostra como foram realizadas remoções para obras da Copa do Mundo

Depois da grande visibilidade alcançada pelo vídeo que mostra a violência policial na desocupação do Cais José Estelita, o blog Mídia Capoeira posta o vídeo produzido pelo Coque (R)Existe, com imagens integrantes do Comitê Popular da Copa, do fotógrafo Mazella e do jornalista Eduardo Amorim, sobre a situação das famílias removidas para obras da Copa em Camaragibe.

Vídeo mostra violência policial após remoção das pessoas do Cais José EStelita

No dia 17 de junho de 2014, a Polícia Militar de Pernambuco mais uma vez demonstrou que serve de braço armado aos interesses de grupos econômicos. Usou a violência extrema contra o Movimento Ocupe Estelita, sem tentar abrir qualquer canal de diálogo. O Batalhão de Choque, o GATI e outros contingentes usaram a força desmedida para uma ação que foi bem além da reintegração de posse do terreno do Cais José Estelita. Ficou claro ao longo do dia que a polícia não estava ali apenas para cumprir uma ação judicial, mas para tentar reprimir um movimento legítimo da sociedade civil. Mais uma vez entra em pauta o tema da desmilitarização da polícia. Este vídeo contém imagens de como se deu a ação dos policiais após a retirada dos ocupantes da área interna do cais. Com imagens de Ernesto de Carvalho, Juliano Dornelles, Marcelo Pedroso e Pedro Severien, o vídeo “Braço Armado das Empreiteiras” complementa as informações que já haviam sido trazidas sobre a manhã deste dia em vídeo de postagem anterior aqui no Mídia Capoeira.