Assista vídeo do jornalista dinamarquês que desistiu de cobrir o Mundial no Brasil

 

Uma das maiores polêmicas da internet brasileira em 2014 foi causada pelo jornalista dinamarquês Mikkel Keldorf Jensen. Ele anunciou sua desistência de cobrir a Copa do Mundo em um texto que circulou internacionalmente, explicando que fez isso por conta dos problemas que encontrou no país às vésperas do evento. Alguns desses problemas são semelhantes aos que o Mídia Capoeira vem retratando em Pernambuco.

Agora, ele mandou uma mensagem para esse blog dizendo que está lançando o seu vídeo: The price of World Cup (O preço da Copa do Mundo). Estamos em contato com Mikkel Keldorf Jensen e em breve lançaremos uma entrevista com o jornalista dinamarquês, mas vale a pena assistir o vídeo, que se passa basicamente entre Fortaleza e Rio de Janeiro.

Assistam e digam o que acharam! São pouco menos de 30 minutos. Particularmente, o autor deste blog considera que nas duas cidades os absurdos são graves, mas os movimentos sociais conseguiram se organizar e em Pernambuco há situações ainda mais silenciadas e no mínimo tão graves quanto as que o jornalista dinamarquês divulga no vídeo.

Esse foi na verdade o motivo da criação do Mídia Capoeira, mostrar que no subúrbio recifense as violações de direitos estão massacrando a população, inclusive nas obras relacionadas à Copa do Mundo. E também gerar um pouco mais de segurança, já que me considerava (como Mikkel Keldorf) um alvo fácil para os gestores que não querem ver divulgado os absurdos que cometeram.

Sem casa, desapropriados da Copa aguardam indenizações desde 2013

No fim do ano passado, o curta Despejo #5 denunciou a situação das famílias que estavam sendo desapropriadas pelas obras da Copa do Mundo no Loteamento São Francisco, na Região Metropolitana do Recife. Seis meses depois, os removidos continuam fazendo fila no Fórum de Camaragibe para tentar acelerar os processos, já que a maioria ainda não recebeu as indenizações e vive hoje em dia pagando aluguel ou morando em casas de parentes.

Na última quarta-feira, a defensora pública Daniele Monteiro recebeu pessoas responsáveis por 12 processos, que representam algumas dezenas de famílias removidas na comunidade, já que alguns dos imóveis desapropriados têm seis ou mais casas. Questionadas pela reportagem, três delas disseram que haviam recebido parte das indenizações e todas as outras afirmaram ainda não ter recebido nada.

Famílias aguardam diariamente por atendimento no Fórum de Camaragibe desde dezembro
Famílias aguardam diariamente por atendimento no Fórum de Camaragibe desde dezembro

“Em um dos terrenos da minha família não existe mais nada e como vai ser feita a perícia?”, questiona Ana Paula Santana de Oliveira, cuja família possuía um sítio e duas casas em área que foi desapropriada para construção do Ramal da Copa. Já a aposentada Marli Nascimento representa seus familiares no processo que envolve seis casas e também denuncia que “não saiu nem um centavo para meus irmãos”.

A situação não é muito melhor para quem já recebeu parte das indenizações. Personagem do curta Despejo #5, Jerônimo Sebastião de Oliveira ainda aguarda a reavaliação do seu imóvel para receber a maior parte da sua indenização. Antes proprietário de uma casa de primeiro andar numa área em que tirava parte do seu sustento dos 100 pés de bananeiras que cultivava, foi obrigado a comprar um barraco por pouco menos de R$20 mil para deixar de pagar aluguel.

“Estava pagando R$400 por mês, mas a casa valia muito mais e minha sobrinha. Então fui obrigado a gastar o pouco que recebi e agora estou esperando sair o restante para poder comprar uma outra casa para mim”, explica o deficiente físico, que gastou a indenização pelo braço amputado para construir o primeiro andar da sua antiga residência.

Única defensora pública responsável pelo atendimento aos removidos da Copa em Camaragibe e no Recife, Daniele Monteiro, acredita que fora os 12 que atendeu ontem devam haver cerca de outros 20 processos pendentes. “Na maioria dos casos, são pessoas que tem a prova de propriedade, mas recai sobre uma pessoa já falecida”, explica.

Enquanto isso, no Loteamento São Francisco, continuam as remoções. O Governo de Pernambuco apressou a construção do Ramal da Copa, que ligará a cidade de Camaragibe, passará pelo Terminal Integrado de Cosme e Damião e chegará até a Arena Pernambuco. A construção da via, de sete quilômetros, e a ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe causaram cerca de 200 remoções no bairro do Loteamento São Francisco e agora vem causando também transtornos para estudantes e comerciantes do local.

Uma grave situação é a dos cerca de 20 comerciantes que estão tendo de sair das barracas que ocupavam no caminho para a Arena Pernambuco às vésperas do início do Mundial de 2014. São pequenos negócios que ficam na saída das escolas Reunidas Timbí e Professor Carlos Frederico. E estão sendo desapropriados pelo Governo do Estado, mas estranhamente o Ramal da Copa já está sendo pavimentado e não passa pelo local destes imóveis.

Há cinco anos trabalhando no local, José Eugênio já não tem esperanças de permanecer ali para a Copa, mas ainda não recebeu sua indenização. Ele é um dos comerciantes que estão vendo a perspectiva de lucrarem com o torneio por água abaixo por conta das remoções, que continuam a ser realizadas no Loteamento São Francisco. Crianças, adolescentes e seus pais também reclamam da lama no terreno das desapropriações e da violência à noite, por conta da escuridão que ficou após a derrubada das casas.

Veja mais no link do Terra e as fotos na galeria abaixo: http://esportes.terra.com.br/futebol/copa-2014/em-pernambuco-obras-da-copa-aceleram-e-causam-transtornos,67439c56a4546410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

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Quem são os mascarados da FIP?

Jovens estão participando do acampamento no #ocup
Integrantes da FIP estão participando do acampamento no #ocupeestelita

O blog organizou uma mostra de fotografias e expôs durante o #ocupeestelita, no último domingo. Para surpresa nossa, tivemos o apoio de um dos grupos mais esteriotipados de todo esse processo de lutas que vem ocorrendo em Pernambuco nos últimos meses, a Frente Independente Popular.

Conheci alguns dos integrantes da FIP pessoalmente, eles organizaram um debate do qual participamos eu como representante do blog Mídia Capoeira, Rud Rafael falando pelo Comitê Popular da Copa de Pernambuco e Igor Calado, pela FIP. Mais que isso, a discussão sobre os impactos do Mundial foi aberta e intervenções como a do fotógrafo camaragibense João Velozo foram cruciais, mostrando um pouco a lógica desse grupo que nasce justamente ao se indispor com os movimentos sociais controlados de longe por integrantes de partidos políticos.

Antes do debate, a FIP havia participado recentemente do 15M em Camaragibe, ato que acabou sem grandes problemas e foi realizado durante a greve da Polícia Militar. E no dia seguinte fez uma intervenção durante ato do Governo Federal, realizado no Recife. Eles não querem largar as máscaras, assim como não aceitam nem mesmo que se diferencie os manifestantes pacíficos dos outros, mas fizemos uma entrevista para tentar desmistificar a imagem dessa galera. (As respostas foram encaminhadas pela Comissão de Comunicação do grupo)

1) Como foi a participação da FIP nas mobilizações de junho do ano passado?

A FIP em Pernambuco é formada  a partir das manifestações de junho do ano passado, todos nós nos conhecemos nessas manifestações. Nossa frente é uma tentativa de juntar os grupos mais combativos  e  pessoas  independentes  que  estavam  participando  dos  atos  e  que  não se sentiam contemplados pela forma como os ‘lideres’ e seus grupos políticos se colocavam e conduziam as coisas. Nossas  diferenças  ficaram  claras  a  partir  da  ocupação  da  câmara  do  Recife  em  8 de agosto, quando os grupos ligados a esses partidos trocaram a grande manifestação do Dia do Estudante, pela participação de uma audiência pública na Câmara dos Vereadores. Ai, na hora  da  ocupação  após  todos  os  transtornos  que  tivemos  pra  garantir  o  seu  sucesso,  a cúpula desses partidos, pessoas que nem estavam lá, não levaram bala de borracha, nem enfrentaram  o  choque,  decidiram  entre  eles  abandonar  o  prédio  e  mandaram  seus representates  desmobilizarem  a  ocupação  às  2h  da  madrugada.  Nesse  momento  ficou claro  quem  estava  se  esforçando  pra  organizar  os  atos  e  quem  estava  só  querendo aparecer,  dar  entrevistas  e  barganhar  outro  tipo  de  espaço.  A  partir  desse  momento passamos a fazer reuniões em separado deles.

A FIP se reune desde então semanalmente no jardim na frente da Faculdade de Direito do Recife. A principio a intenção de muitos era apenas evitar sermos massa de manobra dos partidos  políticos  organizados.  Não  temos  nada  contra  a  pessoa  se  identificar  com determinada  agremiação,  nem  que  se  leve  a  bandeira  dela  pros  atos,  não  somos  contra partidos!  Mas  discordamos  de  uma  série  de  práticas  que  estes  se  acostumaram  a  usar, como  de  querer  manipular,  não  encaminhar  o  que  não  é  proposto  por  eles  mesmos,  se sentir  no  direito  de  dizer  como  o  povo  deve  protestar,  de  usar  os  atos  pra  barganhar espaços para si e seus partidos etc. Briga­se para dar entrevistas e aparecer na TV, mas não fazem mobilização nas milhares de entidades pelos quais assinam: são sempre poucas pessoas, muitas bandeiras e inúmeras entidades.

O  primeiro  ato  e  intervenção  organizada  da FIP (ainda  não  existia  o  nome)  foi  a  que  se seguiu à  ocupação  da  Câmara,  a  resistência  contundente  dos  manifestantes  após  ser atacados pela polícia, e após o poder público ter fechado todos os canais de diálogo com o movimento,  colocou  Recife  em  destaque  nacionalmente  como  uma  das  cidades  onde  as manifestações  de  junho  permaneciam  com  vigor,  desmentiu  o  discurso  do  Governo do Estado que em Pernambuco estava tudo ótimo e que as pessoas não tinham motivos para se manifestarem e ainda colocou o passe livre na pauta da discussão política do Estado. O Governo  Eduardo  tentou  proibir  o  uso  de  mascaras,  cancelou  aulas  nos  dias de manifestações, intimou a ir a delegacia todos que pode identificar etc. Nós, passamos a ser levados a sério.

Na Frente Independente participam grupos indentificados com o anarquismo, movimentos socialistas,  de estudantes,  de mulheres,  um coletivo  vegano  de defesa  do direito  dos animais,  um  coletivo  de  arte  e  cultura (que  inclusive  produziu  nossa  faixa),  pessoas  não ligadas a nenhum grupo ou orientação politica etc.

2) Como surgiu a ideia de fazer um protesto durante o Dialogos Governo­Sociedade: Copa 2014?

FIP promoveu protesto durante evento do Governo Federal
FIP promoveu protesto durante evento do Governo Federal

Nós ficamos sabendo que o ministro vinha a Recife pelas redes sociais, já tinhamos visto a intervenção da FIP no Rio nesse mesmo evento e achamos que não deveriamos permitir que  depois  de  todas  as  arbitrariedades  cometidas  contra  o  povo  em  nome  da  copa,  o governo viesse aqui fingir que estava dialogando com a sociedade e que existe qualquer coisa  democrática  nessa  copa.  Nossa  intervenção  junto  com  demais  grupos  que  estão resistindo  as  arbitrariedades  da  Copa  em  Pernambuco  (O  comitê  popular  da  Copa,o Sintraci, o Copa Favela, CPDH, Direitos Urbanos etc) era pra dar voz aos desalojados, desabrigados, aos proibidos de trabalharem, pessoas que não estavam na programação do evento promovido pelo Governo Federal. Nossa faixa, que os companheiros se revezaram para segura-la atrás da mesa do ministro durante todo o evento, arranhava a imagem do legado positivo que o ministro veio defender e não podia ser ignorada pela imprensa.

3) Vocês vem acompanhando pautas específicas da Copa em Pernambuco como as desapropriações?

Nossa frente surge em torno da luta pelo passe livre. Entendemos também, que muito do que levou as pessoas as ruas ano passado, além da questão do transporte público, foi o contraste, a contradição latente entre o serviço que é oferecido a população e as benecis que o Estado  se propõe a oferecer a entidades internacionais que vem ao país somente auferir lucros. A palavra de ordem de “Não Vai Ter Copa” que surge espontaneamente nas manifestações  do  ano  passado  é  a  síntese  das  insatisfações  do  povo  brasileiro  naquele momento. Como já afirmamos Não Vai Ter Copa no Brasil porque pra quem vai assistir a Copa pela TV tanto faz se ela for no Brasil, na Inglaterra ou no Japão. Não Vai Ter Copa no Brasil  porque  os  estrangeiros  que  vão  descer  aqui  em  junho  encontrarão  um  país maquiado,  ocupado  por  forças  de  segurança  e  sob  uma  política  de  higienização  nas cidades-sede, chegarão ao país mas não conhecerão o Brasil, nem o povo brasileiro. Por outro lado, as consequências nefastas da Copa do Mundo no Brasil, estas sim, tem afetado o povo brasileiro e continuaram a afetar suas vidas depois de junho.

Ao  incorporar  a  luta  contra  a  Copa  do  Mundo  a  nossa  pauta  de  reividicações  nós naturalmente  sentimos  a  necessidade  de  conhecer  melhor  a  cidade,  suas  demandas  e problemas. Essa tem sido uma experiência rica e tem nos permitido trocar experiência com outros grupos que discutem a política na cidade do Recife. Nós temos feito um esforço pra conhecer e se incorporar nessas discussões. Desde o ano passado acompanhamos a lutados ambulantes no Recife e do Sintraci defendendo o seu legítimo direito ao trabalho.

Conhecemos  o  pessoal  dos  Direitos  Urbanos  e  através  deles  o  Comitê  Popular  da  Copa aqui em Recife e o drama das famílias de Camaragibe. A luta naturalmente tem aproximado todos estes atores que convergem numa pauta comum, nosso desafio é unirmos todos em torno dessa pauta que é o ingerenciamento da cidade sob o pretexto da Copa, pelo qual tudo se justifica, e conseguirmos dar voz a essas pessoas, como as familias do loteamento São francisco, em Camaragibe, em Brasilit, em São Lourenço, os ambulantes do recife etc.

4) Já pensaram em fazer esse tipo de protesto em atividades do Governo do Estado ou  já  fizeram  algo  para  denunciar  também  os  desrespeitos  aos  direitos humanos durante o período de gestão do agora candidato à presidência, Eduardo Campos?

A  FIP  já  organizou  e  participou  de  4  atos  contra  a  copa  do  mundo  em  Recife,  além  de várias  ações  de  denuncia  sobre  este  evento. Organizamos  junto  ao  MP  duas  audiências Publicas  sobre  a  repressão  e  a  atuação  da  PM  nos  atos  contra  a  Copa,  fizemos intervenções  no  Recife  Antigo  com  equipamento  multi  midia,  grafittes,  debates  na  UFPE, uma caminhada até o relógio da Copa, um ato dentro do Shopping Rio Mar etc. Três diaspós a intervenção da FIP no   comício do então governador Eduardo, na inauguração do Paço do Frevo, o prefeito\secretário desistiu de fazer o Fifa Fan Fest com dinheiro público.

5) Como você avalia a cobertura da mídia local sobre a Copa e seus efeitos sobre a população da Região Metropolitana do Recife?

O  monopólio  de  imprensa  não  tem  dado  repercussão  alguma  ao  drama  das  pessoas atingidas, mesmo quando é obrigada a citar, como no caso da enorme repercussão dos atos dos trabalhadores informais do Centro do Recife, não faz qualquer relação com a Copa ou a política  de  higienização  posta  em  prática  por  conta  dela.  O  ultimo  ato  no  dia  15  em Camaragibe mostrou bem isso ao não entrar em pauta nos noticiários locias. Nós da FIP já fomos procurados até por jornalistas da Finlândia interessados em saber o que pensam os grupos  contrários à realização da Copa no Brasil, mas poucos veículos de impressa tem demonstrado interesse sobre o assunto aqui.

6) Já tem planos para como a FIP vai agir durante a Copa do Mundo?

Precisamos  aumentar  nossos  vínculos  com  a  periferia  como  Brasilit,  Camaragibe,  São Lourenço  etc.  É  lá  onde  estão  as  pessoas  mais  afetadas  e    que  mais  serão  excluídas. Precisamos  convocaá-los  pra  se  manifestar  contra  a  Copa  inclusive  nos  dias  de  jogos.

Precisamos  também  aumentar  nossa  atuação  na  universidade  ­  ano  passado  durante Copa das Confederações a UFPE foi usada como estacionamento da FIFA, não queremos que isso se repita esse ano. Importantíssimo aumentarmos os vínculos com demais grupos que tem resistido a essas arbitrariedades.

7) Vocês realizaram algum pedido de informação ao governo sobre a Copa?

Na UFPE estamos entrando com um pedido de esclarecimento sobre o uso da universidade como estacionamento da Fifa em junho,  com o MP relativo a atuação da PM nos nossos atos e protestos.

8) Quais as principais pautas da FIP hoje para os governos do Estado e Federal?

Nossas pautas tem sido construídas a partir das demandas que vem surgindo nas ruas e estão sempre abertas. Por enquanto no envolvemos com questões relativas:  Ao transporte publico e a mobilidade: Passe livre para o povo. Pela punição dos torturadores do regime militar implementado no país em 64.  Pelo direito à cidade e ao trabalho, contra a Copa do Mundo.

#ocupeestelita: Veja como foi a exposição Invisibilidades da Copa em Pernambuco

 

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No último domingo, quem foi ao Cais José Estelita teve a oportunidade de acompanhar uma mini-exposição com 28 imagens dos fotógrafos Anderson Freire e João Velozo e do jornalista Eduardo Amorim, que abordam o drama dos removidos para as obras da Copa do Mundo na Região Metropolitana do Recife.

A mostra traz imagens de protestos, retratos dos removidos e aborda também outros aspectos como a distância da criança humilde que não consegue ver de perto seus ídolos do futebol. A mostra teve curadoria de Lorena Maniçoba e conta com arte de Cora Salles para sua divulgação.

O blog Mídia Capoeira agradece a todos que fizeram possível a realização da exposição e especialmente aos integrantes da FIP pela iniciativa de promover o debate. Por iniciativa da Frente Independente Popular, houve debate sobre os impactos da Copa no Brasil, que foi iniciado com a exibição do curta Despejo #5 ().

 

Demolição embargada no Cais José Estelita. Ocupação não tem data para terminar

A tentativa de derrubar os galpões do Cais José Estelita para construção do projeto Novo Recife, no bairro de São José, Centro, foi temporariamente suspensa nesta quinta-feira (22). Os tratores chegaram a iniciar a demolição dos prédios na noite de ontem, mas manifestantes conseguiram denunciar a tentativa ilegal e frear as obras. Duas pessoas foram inclusive agredidas pelos seguranças que fazem a segurança do imóvel, mas a pressão acabou fazendo que a demolição fosse apenas parcial.

Pela sua localização, o projeto Novo Recife é considerado um grande símbolo de uma cidade verticalizada, que não respeita o seu passado, despreza as mais modernas práticas de mobilidade e violentamente arranca as pessoas de suas moradias para privilegiar o capital imobiliário. Então, há uma simbologia na ocupação do Cais José Estelita, que é vista como um exemplo de tentativa de preservar que deveria ser seguido também em comunidades do subúrbio da capital pernambucana, onde vêm ocorrendo processos graves de desapropriações e violações de direitos.

Hoje, um dos sócios da construtora Moura Dubeux, Eduardo Moura, ainda tentou argumentar que teria documentação para iniciar a demolição, mas o Iphan embargou a demolição das edificações do Cais José Estelita por cinco dias. Manifestantes do grupo Direitos Urbanos prometem não desocupar o local, diante de tantas irregularidades que vem ocorrendo em outras obras em Pernambuco: “informamos que o #OcupeEstelita prosseguirá por tempo indeterminado. Em outras palavras, não desocuparemos o local até que nossa pauta seja atendida de forma satisfatória”, garante texto do grupo.

A mobilização, iniciada por cerca de oito manifestantes, começou a ganhar corpo na tarde desta quinta-feira e dezenas de pessoas já se aglomeram dentro dos muros do antigo terreno da RFFSA e também no portão que dá para o Cais José Estelita. Os manifestantes querem discutir o modelo da obra a ser implantada no local e sugerem medidas como trinta por cento de habitação popular, uso misto e estratificado economicamente e construção de espaços de arte, cultura e comércio popular.

Veja a nota divulgada pelos ocupantes aqui: http://direitosurbanos.wordpress.com/2014/05/22/nota-dos-ocupantes-sobre-o-ocupeestelita/

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Um caso de amor com o Cais José Estelita

estelita

Encravado entre a Zona Sul do Recife e o Centro, o Cais José Estelita foi por anos uma área pouco valorizada da paisagem recifense. E surge o projeto Novo Recife com a promessa de se construir, originalmente, um complexo de 14 prédios de até 40 andares numa área de 1,3 quilômetros de extensão, localizada numa área que majoritariamente pertencera à extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e que há décadas permanecia abandonada. Por que toda a polêmica sobre essa construção?

Pela sua localização, o Novo Recife será o grande símbolo de uma cidade verticalizada, que não respeita o seu passado, despreza as mais modernas práticas de mobilidade e violentamente arranca as pessoas de suas moradias para privilegiar o capital imobiliário. Então, há uma simbologia na ocupação do Cais José Estelita. Algumas irregularidades no processo de aprovação do projeto já vêm sendo apontadas e podem ser conferidas com detalhes nesse texto da promotora do Ministério Público de Pernambuco, Belize Câmara (http://direitosurbanos.wordpress.com/2012/12/29/esclarecimentos-sobre-o-projeto-novo-recife-por-belize-camara/).

Na praia de Boa Viagem, até hoje a mais turística do Recife, placas alertam os banhistas  sobre o perigo de ataques de tubarões. Problema recente, até o início da década de 1990 os banhistas podiam tomar banho de mar tranquilamente ali, mas a degradação dos ecossistemas costeiros e outras alterações ambientais ocorridas especialmente após a construção do Porto de Suape, ao Sul da capital pernambucana, causaram uma reação que já vitimou mais de 59 pessoas desde 1992.

Marcado pelo dilema do desenvolvimento, Pernambuco viu nos últimos anos os investimentos se intensificarem e ainda é comum as legislações serem flexibilizadas para atender diferentes interesses, mas como consequência disso não é difícil se encontrarem casos em que se passou por cima de questões sérias ambientais e sociais. Tentar derrubar os armazéns do Cais José Estelita na calada da noite e possivelmente sem as autorizações necessárias é mais um exemplo desse tipo de prática, realizada com a conivência de setores do poder público.

Por isso, a luta contra o Novo Recife simboliza também o combate ao uso do poder da imprensa para viabilizar empreendimentos imobiliários (http://direitosurbanos.wordpress.com/2013/10/07/a-servico-do-progresso-semioforo-ideologia-e-sobre-como-o-jornal-do-commercio-tornou-se-porta-voz-do-consorcio-novo-recife/) e pela liberdade de atuação de órgãos como o Ministério Público de Pernambuco (http://direitosurbanos.wordpress.com/2013/08/14/o-berro-do-silencio-reflexoes-sobre-a-midia-apos-o-julgamento-pelo-cnmp-de-belize-camara/).

Em poucos dias, Recife será uma das sedes da Copa do Mundo, estará no foco das atenções internacionais. O Novo Recife sangrando, assim como o Edifício Caiçara (na Avenida Boa Viagem), será mais uma prova de que por mais que se tente controlar autoritariamente a cidade, ainda temos uma democracia no Brasil e as redes sociais tem um papel importante nessa história. Afinal, os desrespeitos à legislação nesse Estado são evidentes.

Antes uma comunidade basicamente rural da Região Metropolitana do Recife, a área de São Lourenço onde foi construída a Arena Pernambuco foi escolhida para abrigar o estádio e o mega-projeto imobiliário denominado Cidade da Copa. Os cerca de 20 quilômetros que separam o Cais José Estelita (ali bem no Centro do Recife) e a Arena Pernambuco fizeram com que durante a Copa das Confederações os protestos que tomaram as ruas do Recife ficassem longe das seleções e de toda a movimentação do Mundial.

O projeto da Cidade da Copa ainda está somente no papel e o Governo do Estado tenta doar 200 hectares á iniciativa privada. O poder público estadual e os parceiros na Parceria Público Privada da Arena Pernambuco adiaram para depois do Mundial de 2014 o anúncio do prazo para início do projeto que seria importante para viabilizar economicamente o empreendimento, mas pode ficar só no papel.  O estádio, construído na divisa dos municípios de São Lourenço da Mata, Camaragibe e da capital pernambucana, foi planejado como parte de um projeto de expansão urbana na direção oeste e consumiu cerca de R$650 milhões segundo secretário extraordinário da Copa do Governo do Estado, Ricardo Leitão. A previsão inicial de R$532 mi foi ultrapassada, especialmente por ter sido apressado e concluído antes da Copa das Confederações, mas o valor corrigido e atualizado ainda não é oficialmente divulgado. Atualmente, considerado o 14º estádio mais caro do mundo, a obra foi construída com dinheiro de financiamentos de bancos públicos. Os três empréstimos (dois através do BNDES e um no Banco do Nordeste do Brasil, ambos públicos) realizados somam R$890 milhões. Dois deles foram repassados para a construção da Arena Pernambuco e um terceiro para o Governo do Estado, já que o contrato de Parceria Público Privada (PPP) prevê que o poder público estadual garanta nos próximos  30 anos o pagamento das obras, da manutenção do estádio e do lucro dos investidores. A informação está no portal da transparência da Copa. (http://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/cidades/financiamentos.seam? empreendimento=7).

Os desrespeitos à legislação estão longe de estarem restritos à Arena Pernambuco e o Cais José Estelita. Os mais graves, que atingem mais diretamente as populações carentes, geralmente estão sendo praticados em comunidades como o Coque, Brasília Teimosa ou em cidades do subúrbio como São Lourenço da Mata e Camaragibe. Mas, diante da força que tem as empresas que vem desrespeitando normas ou mesmo modificando legislações, é preciso tomar alguns desses casos como exemplos para fazer o enfrentamento e dizer que queremos uma cidade para as pessoas.

Vamos ocupar o Cais José Estelita!

ENQUETE: Você acha que o Profissão Repórter manipulou a edição para não sensibilizar audiência para o drama dos desapropriados da Copa?

Você perdeu o programa da TV Globo que abordou as remoções do Loteamento São Francisco? Assista o vídeo no link abaixo e vote na enquete do Mídia Capoeira. http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2014/05/profissao-reporter-mostra-como-copa-mexe-com-vida-de-brasileiros.html

Mas saiba que muitas famílias tiveram suas casas removidas para uma obra que nem teve início (o Terminal Integrado de Camaragibe) e que o Comitê Popular da Copa de Pernambuco acredita que a maioria ainda nem conseguiu receber suas indenizações. Isso fica claro nessa reportagem da BBC: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/05/140514_desapropriacoes_copa_recife_rm.shtml

Para o Comitê Popular da Copa, a TV Globo pecou no seu programa mais sério por ter faltado mostrar o drama das famílias que seguem diariamente para o Fórum de Camaragibe em busca de uma indenização que nunca é paga. E usou de truques como alternar um tema sério com matérias “bem humoradas” sobre um argentino que aluga seu apartamento no Rio ou o primeiro jogo da Arena Corinthians. Veja a nota completa aqui: http://noeliabritoblog.blogspot.com.br/2014/05/comite-popular-da-copa-lanca-nota-de.html

Mas, para quem não conhece a história do Loteamento São Francisco, vale a pena ver o programa que mostrou parte desse drama. E se você ainda tiver mais curiosidades, continue acessando o Mídia Capoeira e curta a página do Comitê Popular da Copa de Pernambuco no Facebook. E não deixe de votar na enquete!

Desapropriados do Loteamento São Francisco foram entrevistados pela TV Globo
Muitos desapropriados do Loteamento São Francisco foram entrevistados pela TV Globo, poucos entraram na edição que foi ao ar

Movimento Zoada se posiciona: “Na Copa vai ter luta!”

NOTA DO MOVIMENTO ZOADA:

Estádio de pé, casa no chão. Um grito de gol não vai apagar nossa história.

No Dia Internacional de Lutas Contra a Copa, ou 15M, como ficou conhecida a data de 15 de maio, milhares de pessoas no país se mobilizaram e foram às ruas gritar contra as injustiças a que temos assistido, especialmente desde o ano passado, em prol da realização desse megaevento, a Copa do Mundo de 2014. Aqui em Pernambuco, inspiradas/os pelo Encontro Nacional das/os Atingidas/os por Megaeventos ocorrido em Belo Horizonte, no início de maio, antigas/os e atuais moradoras/es das comunidades atingidas, estudantes, integrantes de movimentos sociais e de sindicatos foram às ruas contra violações da Copa e outros processos neodesenvolvimentistas que vêm sedimentando a construção de um projeto de cidade cada vez mais excludente e privatista. O ato foi finalizado no Terminal Integrado de Camaragibe, ao lado do terreno do qual cerca de 200 famílias foram removidas com a finalidade de se realizar obras (não concretizadas até agora) para ampliação do TI e Ramal da Copa, no Loteamento São Francisco. Houve também uma homenagem às/aos desapropriadas/os que faleceram na esperança de receber as indenizações a que tinham direito, numa situação extrema de estresse e sofrimento que levou pelo menos sete delas/es ao falecimento. Essas famílias se somaram a diversos grupos estudantis, políticos e de usuários de transporte para exigir o pagamento das indenizações, auxílio moradia e a construção de um conjunto habitacional no local onde elas foram desapropriadas para abrigar aquelas/es que não mais possuem casa própria. São mais de 2.000 famílias que foram obrigadas a deixarem seus lares, apenas em Pernambuco – além de Camaragibe, também foi afetado São Lourenço da Mata, Santa Mônica e Cosme e Damião. As tentativas de diálogo com o poder público estadual por parte do Comitê Popular da Copa foram inúmeras, porém o governo Eduardo Campos e João Lyra Neto restaram inalcançáveis; precisamos denunciar incisivamente tal descaso com um assunto tão grave. O Governo de Pernambuco também não assumiu que as obras no Coque, realizadas para o acesso ao Terminal de Passageiros do Joana Bezerra, são ligadas à Copa, embora seja de conhecimento do Coque (R)Existe bem como da Procuradoria Geral do Estado que essa ampliação do acesso viário ao TI Joana Bezerra constitui mais uma obra para o acesso à Arena Pernambuco. A Prefeitura do Recife, por sua vez, realizou o maior número de desapropriações, embora responsável por uma única obra, a Via Mangue – enquanto a grande maioria foi transferida para os residenciais Via Mangue 1, 2 e 3, uma minoria recebeu indenização.

É importante demarcar que esse debate pouco se concentra em falar sobre jogos de futebol; problematizar a forma e o conteúdo das medidas que vem contextualizando a Copa implica necessariamente em falar de vários setores da sociedade em que vivemos, para além do futebol. “Da copa eu abro mão”, palavra de ordem tão utilizada nos últimos atos, não se resume a ser contra o futebol; pelo contrário, não somos contra o futebol enquanto esporte. É inegável que esse é um elemento cultural muito latente no Brasil, e marcante em nossa identidade cultural, reconhecemos que do futebol emana força e arte. No entanto, não podemos nos furtar da problematização do futebol no âmbito de sua apropriação pelo sistema capitalista. Esse esporte, assim como várias outras manifestações culturais, se tornou mais uma mercadoria, mais um objeto de obtenção de lucro em detrimento de direitos e lutas sociais. É pra essa lógica que está voltada a Copa de 2014, repleta de contradições que podem e devem ser pautadas por todas/os nós, nas ruas, a fim de incentivar as mobilizações políticas.

Percebemos que politizar o debate acerca do futebol não é algo tão recente quando lembramos de sua participação em lutas sociais históricas. A famosa Democracia Corinthiana, nos anos 80, se revelou como um movimento que questionava abertamente a ditadura, seus membros estavam presentes, por exemplo, na campanha pelas Diretas-Já e nos comitês de solidariedade à revolução da Nicarágua. Mas o que aconteceu com o futebol que nos remetia ao “popular”, ao “público”? As novas tendências de “futebol moderno” tem desprezado tradições do futebol que não se enquadrem no padrão higienista e elitizado que se busca. Alguns fatores que demonstram esse incômodo por parte dos setores que querem garantir sua manutenção de status são a criminalização das torcidas organizadas, aumento dos preços dos ingressos, privatização dos estádios, além de outros elementos fundamentais para definir qual público deseja-se receber, como transporte, horário de realização das partidas e localização dos estádios. É evidente que o futebol virou um negócio bastante lucrativo, e nesse aspecto, é mais importante para os empresários que lucram com essa atividade ter as cotas de patrocínio de TV, por exemplo, do que ter a presença das classes mais baixas nos estádios. Há um debate de luta de classes, dessa forma, visto que apreciar o esporte ou ser fanático pelo seu time definitivamente não é o critério mais levado em consideração. Assim, entendemos como legítima e necessária a ocupação do espaço que ainda não foi privatizando e que continua disponível para se torcer democraticamente, as ruas.

Compreendemos que em um país em que há tanta miséria e desigualdade social, o dispêndio de grandes quantias em obras que servem a um megaevento é visto com intolerância por muitas/os. Mas para além do fator dos gastos financeiros, a Copa revela outros elementos mais perversos. Em consonância com a lógica mercadológica da FIFA, a Lei Geral da Copa (Lei 12.663/12) surge para derrubar princípios constitucionais e de direitos humanos conquistados com tanta dificuldade, simplesmente para proteger as empresas patrocinadoras da FIFA do chamado “marketing de emboscada” e para impedir que haja qualquer “óbice” à visibilidade dos jogos, ou seja, punir qualquer tentativa de manifestação. São atentados à dignidade humana e moléstias aos setores que já são, corriqueiramente, os mais afrontados; essas ofensivas têm se dado numa atividade conjunta entre Congresso, Governos, Judiciário, FIFA e a mídia corporativa. As exigências da FIFA na Lei da Copa são esdrúxulas e ofensivas em todos os momentos em que pretende efetivar a elitização à qual já nos referimos. Além dessa lei, ganhamos “de brinde” um outro atentado a nossos direitos, o Projeto Lei 728/2011, já aprovado pelo governo, que prevê a punição ao crime de “terrorismo” – não tipificado no Código Penal brasileiro. O projeto estabelece penas de no mínimo 15 e no máximo 30 anos, e pra piorar traz um conceito de terrorismo (“O ato de provocar terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso, político ou de preconceito racial, étnico ou xenófobo”) que dá margem para que qualquer manifestação ou protestos, coletivo ou individual, possa ser qualificado como terrorismo e formação de quadrilha. Enquanto completamos 50 anos do golpe militar, somos submetidos a encarar uma “lei antiterror” que relembra a ditadura e que prepara uma força-tarefa para cercear nossos direitos de manifestação. Mas se o Poder Executivo e Legislativo acreditam que, juntos com a FIFA, conseguirão nos chutar pra fora dos estádios e que ficaremos de braços cruzados lamentando estão muito enganados.

Destacamos ainda outra medida absurda contida no PL 728/2011, que prevê uma restrição do direito à greve nos serviços considerados “essenciais” à população durante a Copa, como a manutenção de portos e aeroportos, serviços de hotelaria e vigilância. O projeto estabelece também que os sindicatos devem avisar com 15 dias de antecedência sobre qualquer paralisação, além de obrigar ao menos 70% das/os trabalhadoras/es a permanecer em atividade. Como se não fosse suficiente, o governo estará autorizado a contratar trabalhadores substitutos para que seja mantido o atendimento. Ou seja, tudo isto representa interdições ao direito de greve – um direito conquistado graças a um histórico de lutas das/os trabalhadoras/es, na época inseridas num contexto de ditadura feroz.

Pra se ter uma ideia de como esse autoritarismo nos remete a um Estado de exceção, a maioria dessas leis já foram aplicadas na última Copa do Mundo da África do Sul, e para que sua implementação fosse efetuada, criaram-se “tribunais especiais”, ou seja, uma Justiça de Exceção para “julgar” as infrações contra a Lei da Copa. A criação desses “juizados especiais”, previstos pelo art. 37 do projeto, dá margem a arbitrariedades como as que ocorreram em 2010 na África do Sul, quando por exemplo um desses “juizados” condenou (em menos de 24 horas) dois africanos do Zimbábue, acusados de roubar jornalistas, a 15 anos de prisão.

A intimidação da Força Nacional e do GATT se fizeram presentes no 15M em Pernambuco, dado o contexto específico ocasionado pela greve da PM. Em outras cidades, a Tropa de Choque da Polícia Militar mostrou sua atuação com violência nos protestos, usando bombas de gás lacrimogêneo e tiros de bala de borracha e deixando vários feridos. A PM é o braço do Estado responsável pela repressão direta e física da população. Reconhecemos que as reivindicações dessa categoria de trabalhadoras/es por melhorias nas condições de trabalho (extremamente precárias atualmente) são legitimas, mas evidenciamos a necessidade de sua desmilitarização, o que restou claro nos últimos dias em que na cidade se instaurou um pânico desmedido pelo sentimento de abandono que a sociedade demonstrou sentir com a falta da Polícia Militar, como se esta fornecesse proteção (contra nós mesmos) e não violência.

Diante de tudo isso, enquanto alguns milionários detêm o controle dos estádios privatizados, as/os trabalhadoras/es que de fato são as/os responsáveis por erguer essas obras, ficam com o lado mais trágico do cenário – só até dezembro de 2013 já haviam sido registradas sete mortes nessas obras, que se iniciaram em 2012. Nem serão essas/es brasileiras/os mais humildes, ainda que amantes do futebol, as/os que vão desfrutar dos megaestádios, poucos ou nenhum dos assentos “padrão FIFA” serão reservados a elas/eles. Não é coincidência que, nos últimos anos, as greves das/os trabalhadoras/es da construção civil que constroem os palcos da Copa tenham sido tantas, motivadas por queixas na péssima qualidade de alimentação ou mesmo pelas condições de trabalho que só fazem piorar a cada dia em que o prazo para entrega de um estádio se aproxima. O Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Amazonas, por exemplo, denuncia que há operários trabalhando em turnos de até 18 horas por dia.

A “Justiça” também tem se mostrado conivente às violações, criminalizando e condenando os movimentos sociais por “crimes de dano ao patrimônio público” ou por “desobediência”. Além disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente a ADIN 4976 (Ação Direta de Inconstitucionalidade), na qual a Procuradoria Geral da República questionou dispositivos da Lei Geral da Copa (Lei 12.663/2012). Um dos dispositivos questionados foi aquele que isenta a FIFA e suas subsidiárias do pagamento de custas e outras despesas judiciais.

Como se não bastassem os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário realizarem todas as arbitrariedades aqui relatadas (dentre várias outras), em conivência com os interesses econômicos da FIFA, a mídia corporativa, a mesma que tentou pautar as mobilizações sociais do ano passado, também cumpre seu papel de manipulação. Quando não se exime de denunciar os abusos, subverte os movimentos sociais e coloca a sociedade contra estes. Não por acaso, nos últimos dias os noticiários se preocuparam muito mais em alimentar o pânico dos/as que sentiram falta da PM nas ruas do que em falar dos moradores de Camaragibe – que sequer foram lembradas/os nos meios de comunicação tradicionais. A imprensa simplesmente se eximiu de reportar o drama das milhares de famílias vitimadas, ou até de denunciar que as “soluções” de transporte utilizadas como pretexto para as obras são meros paliativos para garantir o acesso dos/as torcedores/as aos novos estádios. Nada mais previsível quando se sabe que praticamente a totalidade dos veículos de mídia são concentrados nas mãos de poucas figuras da iniciativa privada. Nesse contexto, é importante frisar como a democratização da mídia se mostra essencial para construir uma imprensa que tem preocupações para além dos lucros advindos da publicidade veiculada na cobertura do evento. Não podemos nos esquecer que estamos em ano de eleições, época em que o resguardo da imagem de gestões e políticos, aos quais se alia o empresariado, prejudica bastante qualquer visibilidade para as/os atingidas/os diretamente pelas obras da Copa. Já assistimos, na Copa de 1970, a utilização do futebol como meio propagandístico: diante da conquista do mundial pela seleção, a ditadura militar, sob o comando do general Médici, soube reverter a euforia que vivia a população para seu próprio fortalecimento, e revestimento da censura, das torturas e mortes de seus opositores. Eram comuns os clichês “Ninguém segura esse país” ou o intimidador “Brasil, ame ou deixe-o”. Em 2014, mais uma vez alguns setores tentam usar o futebol como meio propagandístico para reafirmar a ideia de um Brasil potência, porém esta não nos parece uma saída por aquelas/es que acreditam em um projeto de transformação de sociedade coletivo.

Ano de Copa geralmente vem acompanhado por um falso patriotismo, amparado no sentimento da torcida pelo time brasileiro e em uma bandeira que ostenta as palavras “ordem e progresso”, oriunda de uma mentalidade positivista de militares e aristocratas em fins do século XIX. Não nos interessa uma “ordem” voltada unicamente para o bom andamento dos jogos, enquanto a pobreza como (des)ordem permanece normalmente fora dos muros dos estádios. Iremos questionar continuamente que “ordem” é essa, a quem serve esse “desenvolvimento”, e quem são as/os defendidas/os por essas instituições “democráticas”. Não permitiremos que falsas “festas” e “comemorações” tenham voz mais forte que a voz das/os excluídas/os cotidianamente pela desordem que não cessará durante nem depois da Copa; a desordem das UPPs, do transporte público, do SUS, das/os que ganham salários irrisórios. Sabemos que essa é a verdadeira desordem, que não se interrompe com nenhuma Copa do Mundo.

Na semana passada, visualizamos no dia 15 de maio várias manifestações, fechamento de estradas e greves, numa salutar unidade entre estudantes e trabalhadoras/es, que pleiteiam várias pautas em comum, como moradia, transporte, educação e saúde. Assim aconteceu em São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, com as/os metroviárias/os, metalúrgicas/os, professoras/es e rodoviárias/os. A abertura da Copa do Mundo, assim como todo o calendário de jogos, será perpetrada por manifestações populares, em diversas cidades do país. O dia 12 de junho foi escolhido como a data de início da Jornada de Mobilizações “Na Copa vai ter Luta”.

Queremos saudar os Comitês que vem intensificando a luta contra a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza nesse ano de Copa, reconhecendo que esses coletivos vêm encampando e mobilizando as pautas contra os desmandos da Copa.
Enxergamos como importante a defesa do protagonismo das/dos que sofrem cotidianamente com o tolhimento de direitos, bem como a continuidade e constância dessas mobilizações, não apenas até o fim dos jogos mas também para depois da Copa.

Não vamos às ruas contra o futebol ou a Copa do Mundo em abstrato, mas sim contra os problemas concretos que se apresentam e que mostram a tônica antipopular da Copa do Mundo. Queremos fortalecer os movimentos que, assim como nós, não aceitam as remoções forçadas, nem a truculência da repressão do Estado. Para nós do Movimento Zoada, lugar de luta é nas ruas, e nesse ano não poderia ser diferente! Na Copa vai ter luta!

FIP protesta durante Diálogos Governo-Sociedade: Copa 2014. 15M denuncia absurdo do Loteamento São Francisco

“Houve aqui um protesto, está aqui até agora, os companheiros generosamente ai de pé, segurando a faixa na boa. Nós acolhemos, problema nenhum. O debate está fluindo. Mas a tradução que passa para fora, quem não está aqui não sabe, é que houve uma guerra, houve uma interrupção. Veja como é duro construir a democracia no Brasil, quando ela é traduzido por aqueles que querem destruir e nos separar”. A declaração foi feita pelo ministro Gilberto Carvalho, durante seminário Diálogos Governo-Sociedade: Copa 2014, realizado na última sexta-feira (16), no Centro Paulo Freire.

A série de eventos acontece para dar argumentos a militantes de movimentos sociais alinhados com o PT para defenderem a Copa do Mundo. Já as faixas com as frase “#nãovaitercopa” e “Copa pra quem?”, foram colocadas atrás de onde estavam o ministro e o vice-prefeito do Recife, Luciano Siqueira, por representantes da Frente Independente Popular (FIP). O Governo do Estado não enviou representantes, apesar de ser o principal responsável por alguns questionamentos que se faz às obras do Mundial especialmente no que se relaciona às remoções no Loteamento São Francisco (Camaragibe), Santa Mônica, Cosme e Damião (ambos no Recife) e em São Lourenço da Mata.

 

FIP promoveu protesto durante evento do Governo Federal
FIP promoveu protesto durante evento do Governo Federal

Se a Folha de S. Paulo tornou o protesto da FIP um assunto nacional. Apesar da presença de diversos veículos de imprensa em Camaragibe, no dia anterior, o 15M em Pernambuco praticamente não teve repercussão na mídia local e só poderá ter alguma visibilidade caso (como prometido) seja divulgado o tema pela TV Globo na próxima terça-feira, no Profissão Repórter. Por sinal, o programa mais livre da rede já vem sendo motivo de preocupação de integrantes do Comitê Popular da Copa, mas vamos esperar para analisar depois de ir ao ar.

Diante de uma cidade em guerra, violência para todos os lados, o 15M em Pernambuco foi uma demonstração de organização do Comitê Popular da Copa e especialmente dos removidos no Loteamento São Francisco. Seria um contraponto perfeito para todas as notícias de violência trazidas pelos jornais durante toda essa semana marcada pela greve da Polícia Militar.

E porque não saiu a notícia com os moradores do Loteamento São Francisco mostrando que ainda não receberam suas indenizações, que ainda aguardam até mesmo o auxílio moradia de R$200? Especialmente porque não se fala na homenagem realizada pelo Copa Favela 2014 aos sete mortos no Loteamento São Francisco e Cosme e Damião, considerados vítimas das desapropriações por terem sofrido com estresse e depressão? Um fotógrafo com quem conversei me disse que haviam muitas pautas na cidade, já que a violência tomou conta de toda a Região Metropolitana do Recife. Mas impossível não imaginar que um protesto com pauta clara, denúncia incisiva (contra as desapropriações e o investimento feito nos Terminais Integrados, além do atraso nas obras ter ficado evidente pelo local escolhido) e sem violência parece não ser pauta para a imprensa tradicional.

O Mídia Capoeira nasce para fazer esse contraponto. Dar voz a quem tem conteúdo para reclamar sobre as obras da Copa ou sobre outros temas, que afetam a população pernambucana. Passou da hora de ficarmos somente reclamando da mídia tradicional.

Desapropriados do Loteamento São Francisco foram entrevistados pelo Profissão Repórter
Desapropriados do Loteamento São Francisco foram entrevistados pela TV Globo

15M: Em meio à greve, ato simbólico lembra desapropriados que morreram após início das remoções

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Em meio ao clima de tensão que tomou conta da Região Metropolitana do Recife por conta da greve da Polícia Militar, Camaragibe recebeu um ato importante neste 15 de maio. O 15M, protesto mundial anti-Copa, em Pernambuco teve como foco denunciar a situação das mais de 200 famílias removidas para as obras de ampliação do Terminal Integrado de Camaragibe e do Ramal da Copa no Loteamento São Francisco.

As famílias do Loteamento São Francisco se uniram a lideranças de diversos grupos estudantis, políticos e de usuários de transporte para pedir o pagamento das indenizações pelas casas demolidas, auxílio moradia e a construção de um conjunto habitacional no local onde elas foram desapropriadas para abrigar aqueles que deixaram de ter casa própria.

A demanda dos removidos bate com a de usuários do transporte público que na semana passada reclamaram dos problemas nos TIs. A não ampliação do terminal de Camaragibe com a implantação do bilhete único poderia facilitar a utilização do terreno hoje em obras muito lentas para construção de moradias.

Depois de encerrado o ato das famílias removidas, jovens continuaram fechando a Avenida Belmínio Correia. Mas o ato simbólico foi pacífico e homenageou também sete moradores falecidos durante o período de negociação com o Governo do Estado e após as demolições.